Tendo em vista que História, Cultura, Moral e Religião dão-se como uma forma de "conhecimento do mundo" (visão de mundo, Weltanschauung, produção de saberes) e, enquanto tais, revelam-se como fenômenos que contribuem para a estruturação da vida psíquica, esta disciplina visa verificar o modo pelo qual é possível a utilização de conceitos metapsicológicos de Freud para se pensar na relação entre a psicologia individual e a psicologia dos povos (ou Etnopsicologia – Völkerpsychologie). Tem-se, portanto, como tarefa examinar, em termos (meta)psicológicos, tanto a formação das massas quanto o psiquismo do indivíduo e isso para poder inseri-lo no contexto da vida familiar, cultural, moral e social – será preciso pensar na psicologia individual enquanto uma psicologia social. Nesse contexto, o aparelho psíquico dar-se-á (à luz de Primeira e da Segunda Tópica) como um "processo de personalização" determinado, ao mesmo tempo, de "dentro" (dinâmica pulsional, complexos psíquicos, aspirações afetivas) e de "fora" (relações com o outro, com o objeto, com o Mundo). Sendo assim, o curso desenvolverá exposições sobre conceitos e teses de Freud que operam (ou poderiam operar, direta ou indiretamente) na dinâmica das demandas coletivas e individuais. Eis aí o caminho pelo qual se procurará falar da psicanálise enquanto um saber (o modo de pensar psicanalítico como instrumento de investigação) que toma por objeto a psique individual sem que, na raiz de suas explorações, abandone o estudo em torno das bases afetivas do indivíduo com as massas.
Parte-se do pressuposto de que o fenômeno humano tem como condição fundamental (estrutural, econômica, dinâmica) a busca da satisfação de suas necessidades (pulsionais, fisiológicas) e é sob o imperativo da "vivência de satisfação" que os laços sociais vão se estruturando. Tais laços têm sua origem no estado (experiência) de desamparo do sujeito (Hilflosigkeit) que, ao lhe ser exigida uma inserção na realidade externa (desde a experiência do lactente), a "realização de desejo" e a "realidade objetiva" apresentar-se-ão como o par de opostos pelo qual brota a vida psíquica (Inconsciente/Pré-consciente/Consciente; Id/Eu/Supereu) – seja ela na dimensão singular ou das coletividades. É nesse percurso que se falará: 1º) de uma regulação (moral) da vida (individual e social) na busca defensiva contra o sofrimento (desprazer; meta de felicidade; Ανάγκη), 2º) da necessidade de uma "economia pulsional" e "libidinal" (repressão, defesa, consciência moral) e 3º) dos paralelos entre a psicologia dos povos (Völkerpsychologie) e a vida psíquica dos indivíduos.
- Pressupostos para uma Psicologia Científica (o Projeto)
- Sexualidade e Cultura: a produção das patologias
- O problema do Tabu: da vida anímica individual às criações culturais
- A Identificação: o homem, um animal político?
- Satisfação versus Opressão: por uma "educação para a realidade"
- Desamparo e Eros: a luta pela vida
Básica:
FREUD, S. A moral sexual "cultural" e o Nervosismo Moderno (1908). Volume IX (Amorrortu editores); Volume 08 (Companhia Das Letras).
________. Totem e Tabu (1913). Volume XIII (Amorrortu editores); Volume 11 (Companhia Das Letras).
________. Psicologia das Massas e Análise do Eu (1921). Volume XVIII (Amorrortu editores); Volume 15 (Companhia Das Letras).
________. O Futuro de uma Ilusão (1927). Volume XXI (Amorrortu editores); Volume 17 (Companhia Das Letras).
________. O Mal-Estar na Cultura (1930). Volume XXI (Amorrortu editores); Volume 18 (Companhia Das Letras).
- As obras de Freud a serem citadas durante o curso encontram-se nas seguintes edições: 1) Amorrortu Editores, 24 vol. (em Espanhol). e 2) Companhia das Letras, 20 vol. (em Português).
Complementar:
AVENBURG, Ricardo. El aparato psíquico y la realidad. Buenos Aires: Ediciones Nueva Visión, 1975.
BEZERRA JR., Benilton. Projeto para uma psicología científica: Freud e as neurociencias. RJ: Civilização Brasileira, 2013.
CAROPESO, F. Freud e a natureza do psíquico. SP: AnnaBlume, FAPESP, 2009.
CORRÊA, Fernanda Silveira. Filogênese na Metapsicologia Freudiana. Campinas: Editora da Unicamp, 2015.
GOLDENBERG, Ricardo. Psicologia das massas e análise do eu: Solidão e Multidão. RJ: Civilização Brasileira, 2014.
KOLTAI, Caterina. Totem e Tabu: Um mito freudiano. RJ: Civilização Brasileira, 2010.
LAPLANCHE, J.; PONTALIS, J.-B. Vocabulário de Psicanálise. Tradução de Pedro Tamem. 3ª ed. SP: Marins Fontes, 1998.
MARCUSE, H. Eros e civilização. RJ: Zahar, 1968.
MEZAN, R. (1985). Freud, pensador da cultura. 7ª ed. SP: Companhia das Letras, 2006.
_________. Interfaces da psicanálise. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
MONZANI, L. R. O movimento de um pensamento. Campinas: Ed. Da Unicamp, 1989.
RICOEUR, Paul. Da Interpretação: ensaio sobre Freud. Trad. Hilton Japiassu. RJ: Imago, 1977.
SAROLDI, Nina. O mal-estar na civilização: As obrigações do desejo na era da globalização. RJ: Civilização Brasileira, 2016.
SIMANKE, R.T. Mente, cérebro e consciência nos primórdios da metapsicologia freudiana: uma análise do “Projeto de uma Psicologia” (1985). São Carlos: Edufscar, 2007.
SAFATLE, Vladimir. O Circuito dos Afetos: Corpos Políticos, Desamparo e o Fim do Indivíduo. Belo Horizonte: Editorial Autêntica, 2016.
SOLIVA, Ana Carolina. Do Indivíduo à Cultura: um estudo sobre Freud. Jundiaí: Paco Editorial, 2012.
UREÑA, Enrique M. La Teoria de la Sociedad de Freud: Represión y Liberatión. Madrid: Editorial Tecnos, 1977.
Será realizada uma avaliação dissertativa em sala de aula.
Serão aceitos alunos especiais (até 5 vagas) mediante entrevista com os docentes explicitando o interesse pelo conteúdo).