Tendo em vista que todos os povos desenvolvem concepções sobre a vida pessoal e em sociedade, as quais podem ser chamadas de psicológicas, esta disciplina visa examinar criticamente teorias e métodos psicológicos relacionados a pesquisas no campo social. É pela confrontação entre diversas formas de compreensão cultural (que incluem a do pesquisador) que a etnopsicologia possibilita o questionamento da prática de pesquisa em psicologia social, por meio da consideração da visão de mundo e do saber próprios ao grupo pesquisado. O diálogo com a antropologia e com a sociologia auxilia a constatação de temas comuns, assim como a demarcação entre essas disciplinas. Por meio da análise de conceitos como intencionalidade, agência, mente, pessoa, sujeito e cultura discutem-se formas de ir a campo, bem como modelos de interpretação dos dados.
Parte-se do pressuposto de que existem empréstimos, apropriações, comparações e traduções conceituais entre o saber científico e o social, o que gera reinterpretações recíprocas nesses campos. Os processos elaborativos sobre as relações eu – outro e pessoa – cultura não apenas subvertem conceitos ocidentais já estabelecidos como universais, como exploram diálogos interdisciplinares. Nessa medida, para estudar o outro se faz necessário refletir sobre as tensões dialógicas estabelecidas entre pesquisador e pesquisa de campo e entre linhas teóricas subjacentes à formação do pesquisador. O desafio filosófico atual nessa área consiste no afastamento da epistemologia em direção à ontologia, ou seja, trata-se de conceber as diferenças não em termos de conhecimento, de crenças ou de representações de mundo, mas em função da assunção de que as pessoas habitam mundos diferentes.
A relatividade cultural do vocabulário psicológico expressa diferentes formas de racionalidade, bem como diferentes modos de estruturação psíquica. Há muitas perspectivas de apreensão da realidade que são efetivas não em função de certo padrão de representações internas, mas devido ao fato de as pessoas viverem em mundos moldados linguisticamente e, portanto, diferentes. A etnopsicologia possibilita o diálogo entre diversas formas culturais de conhecimento psicológico a respeito da noção de pessoa, pensamento, linguagem e subjetividade. A relação estabelecida com os colaboradores em campo atesta não somente um posicionamento teórico-metodológico a priori definido, o qual encaminhará a análise dos dados, como pode acarretar modificações nos padrões de vivência da realidade da população pesquisada. Neste sentido, a discussão da dimensão ética quanto ao posicionamento do pesquisador no trabalho de campo e no trato com os dados norteia as temáticas consideradas nesta disciplina: 1) O lugar da cultura na história da psicologia; 2) Diálogos e debates entre antropologia, psicologia e psicanálise; 3) Concepções sobre o pensamento e a linguagem; 4) O papel da agência na fundamentação do conceito de pessoa e 5) A relação com o campo e modos de produção do conhecimento.
CRONOGRAMA DE ATIVIDADES:
1. O lugar da cultura na história da psicologia
Uma aula expositiva (4 horas)
2. Diálogos e debates entre antropologia, psicologia e psicanálise
Três aulas expositivas (2 horas cada) Três seminários apresentados pelos alunos (2 horas cada)
3. Concepções sobre o pensamento e a linguagem
Três aulas expositivas (2 horas cada) Três seminários apresentados pelos alunos (2 horas cada)
4. O papel da agência na fundamentação do conceito de pessoa
Duas aulas expositivas (2 horas) Dois seminários apresentados pelos alunos (2 horas)
5. A relação com o campo e modos de produção do conhecimento
Três aulas expositivas (2 horas cada) Três seminários apresentados pelos alunos (2 horas cada)
1ª aula: O lugar da cultura na história da psicologia
Básica:
Boesch, E. E. (1991) Symbolic Action Theory and Cultural Psychology, Berlin, Springer.
Kashima, Y. (2000). Conceptions of culture and person for psychology. Journal of Cross-Cultural Psychology, 31(1): 14-32.
Complementar:
Brentano, F. (1874/1995). Psychology from an empirical standpoint. London and New York: Routledge.
Freud, S. (1913/1993). Totem et tabou. Paris: Gallimard
James, W. (1890). Principles of psychology. New York: Holt.
Mead, G. H. (1934/1967). Mind, self, and society from the standpoint of a social behaviorist. Chicago: The University of Chicago Press.
Ribeiro, I. R., Frias, R. R., & Salami, O. A. R. (2024) Jornada mítica e trajetória humana: ponderações etnopsicológicas sobre jogos oraculares em espaço afrodiaspórico brasileiro. Acta scientiarum. Human and social sciences, v. 45, p. e69532.
Wundt, W. (1832/1963). La psycologia de los pueblos: bosquejo de una historia de la
evolution psycologica de la humanidad. Barcelona: s/l.
2ª aula: Diálogos e debates entre antropologia, psicologia e psicanálise
Básica:
Godoy, D. B. O. A. & Bairrão, J. F. M. H. (2018) Etnopsicologia brasileira: mosaico e aplicações. Ribeirão Preto: FFCLRP
Nathan, T. (2001). La folie des autres: traité d’ethnopsychiatrie clinique. Paris: Dunod.
Complementar (para o seminário):
Pulman, B. (2002). Anthropologie (145-170) et Psychanalyse: Malinowsky contre Freud. Paris: Presses Universitaires de France.
Róheim, G. (1950/1967). Psychanalyse et Anthropologie. Paris: Gallimard.
Scorsolini-Comin, F. (2023). Escuta é perfume: por uma clínica etnopsicológica (pp. 55-77) . In F. Scorsolini-Comin & J. F. M. H. Bairrão (Orgs). Etnopsicologia e Saúde. São Carlos: João e Pedro Editores.
3ª aula: Diálogos e debates entre antropologia, psicologia e psicanálise
Básica:
Zafiropoulos, M. (2001). Lacan et les sciences sociales: le déclin du pçre. Paris: Presses Universitaires de France.
Complementar (para o seminário):
Bairrão, J. F. M. H. (2016). O rosto do resto: método psicanalítico e pesquisa na universidade (41-58). In: Maria Thereza Avila Dantas Coelho; Sérgio Augusto Franco Fernandes; Suely Aires (org.). Experiências com psicanálise na universidade: ensino, pesquisa e extensão. Edufba: Salvador.
Ortigues, M. C. & Ortigues, E. (1966). Oedipe Africain. Paris: Plon.
Whitford, M (1989). Releituras de Irigaray (145-170), In: Teresa Brennan (org.) Para Além do Falo: uma crítica a Lacan do ponto de vista da mulher. Rio de Janeiro: Rosa dos Ventos.
4ª aula: Diálogos e debates entre antropologia, psicologia e psicanálise
Básica:
Obeysekere, G. (1996). The Work of Culture: Symbolic Transformation In Psychoanalysis and Anthropology. Chicago: University of Chicago Press.
Complementar (para o seminário):
Macedo, A. Costa, Damasceno Neto, J. F. & Bairrão, J. F. M. H. (2017). Odé Erê: diálogos entre psicologia, cultura e educação em comunidade quilombola do interior da Bahia. Revista de Estudios Brasileños, v.4, 11-21.
Neubern, M. da S. (2023) Corpos espirituais e narrativas sobre saúde e doença: breve ensaio em etnopsicologia (pp. 35-54). In F. Scorsolini-Comin & J. F. M. H. Bairrão (Orgs). Etnopsicologia e Saúde. São Carlos: João e Pedro Editores.
Toren, C. (2012). Antropologia e psicologia. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 27(80): 21-36.
White G. M. (1992). Ethnopsychology. In Theodore Schwartz, Geofrey M. Whirw & Catherine A. Lutz (orgs.) New Directions in psychological anthropology, pp. 21-46. New York-NY/ Melbourne-Australia: Cambridge University Press.
5ª aula: Concepções sobre o pensamento e a linguagem
Básica:
Shweder, R. (1991). Thinking through cultures: expeditions in cultural psychology. Harvard University Press.
Shore, B. (1996). Culture in mind: cognition, culture and the problem of meaning. New York: Oxford University Press.
Complementar (para o seminário):
Bairrão, J. F. M. H. (2011). Será possível dar ouvidos ao não verbal e ampliar o alcance da psicanálise à escuta de ações coletivas e acontecimentos sociais? (277-294). In Claudio Oliveira (org.). Filosofia, Psicanálise e Sociedade. Rio de Janeiro: Azougue Editora.
Bruner, J. S. (1990/2002). Atos de significação. Porto Alegre: Artes Médicas.
Bruner, J. S. (2002, 2ª reimp.). Realidade mental, mundos possíveis. Porto alegre: Artes Médicas
De Lemos, C. (2000). Questioning the notion of development: the case of language acquisition. Culture and Psychology, 6(2): 169-182.
6ª aula: Concepções sobre o pensamento e a linguagem
Básica:
Lillard, A. (1998). Ethnopsychologies: cultural variations in theories of mind. Psychological Bulletin, 123(1): 3-32
Lutz, C. (1985). Ethnopsychology compared to what? Explaining behavior and consciousness among the Ifaluk. In: G.M. White & J. Kirkpatrick (Eds.). Person, self and experiences: exploring Pacific ethnopsychologies, pp. 35-79. Berkeley: University of California Press.
Complementar (para o seminário):
De Certeau, M. (2005). Um lugar comum: a linguagem ordinária. In _____. A invenção do cotidiano (11ª ed.), pp. 59-74. Petrópolis: Vozes.
Neubern, M. S. (2018). Etnopsicologia, hipnose e espiritualidade no Brasil: breve ensaio (pp. 19-47). In: Maurício S. Neubern. (Org.). Clínicas do Transe: Etnopsicologia, Hipnose e Espiritualidade no Brasil. Curitiba: Juruá.
Tiveron-Bairrão, J.; Bairrão, J. F. M. H. (2023). De inimigo a aliado: revisões Kaingang do entendimento do morto no Estado de São Paulo. Acta scientiarum. Human and social sciences, v. 45, p. e69653,
White, G. M. & Kirkpatrick, J. (Eds.). (1985). Person, Self and Experience – Exploring Pacific Ethnopsychologies. California: The University of California Press.
7ª aula: Concepções sobre o pensamento e a linguagem
Básica:
Affonso, P. H. B.; Bairrão, J. F. M. H. (2021) Estrutura e topologia na psicanálise de Jacques Lacan. Eleuthería, v. 6, p. 100-125.
Josephs, I. (2002). The Hopi in Me. The construction of a voice in the dialogical self from a cultural psychological perspective. Theory & Psychology, 12, 162-173
Keane, W. (2001). Voice. In A. Duranti (Ed.), Key terms in language and culture, pp.268-271. Malden, MA: Blackwell.
Complementar (para o seminário):
Godoy, D. B. O. A. & Bairrão, J. F. M. H. (2018). Voz e Alteridade: um contraponto entre psicanálise e psicologias dialógicas. Revista da Spagesp, v.19, 62-75
Markova, I. (2006). Dialogicidade e representações sociais: as dinâmicas da mente (Trad. Hélio Magri Filho). Petrópolis: Vozes. (Original publicado em 2003).
Wold A. H. (Ed.) (1993). The dialogical alternative: Towards a theory of language and mind. Oslo. Scandinavian University Press.
8ª aula: O papel da agência na fundamentação do conceito de pessoa
Básica:
Kolckelman, P. (2007). Agency: the relation between meaning, power and knowlodge. Current Anthropology, 48(3):375-401.
Viveiros de Castro, E. (2004). Exchanging perspectives: the transformation of objects into subjects in Amerindian ontologies. Commom Knowlodge, 10(3):463-484.
Complementar (para o seminário):
Ahearn, L. (2001). Language and agency. Annual Review of Anthropology, 30,109-137.
Campos, M. C.; Bairrão, J. F. M. H. (2020). Substancialidade a'uwê no espelho waradzu: Escutar o corpo indígena Xavante em contexto de trânsito espacial e cultural. Tellus, v. 1, p. 281-304.
Ochs, E. & Capps, L. (1996). Narrating the Self. Annual Review of Anthropology, 25:19-43.
Tiveron, J. D. P. & Bairrão, J. F. M. H. (2017). Veinkupri Hã: O ensino Kaingang. Cadernos Cimeac, v.7, 212-237.
9ª aula: O papel da agência na fundamentação do conceito de pessoa
Básica:
Duranti, A. (2004) Agency in language, In A. Duranti (Ed.), A companion to linguistic anthropology (pp. 451-473). New York: Blackwell.
Sewell, W. H. J. (1992). A theory of structure: duality, agency, and transformation. American Journal of Sociology, 98 (1), 1-29.
Complementar (para o seminário):
Bairrão, J. F. M. H. (2011). Nominação e agência sem palavras: o audível não verbal num transe de possessão. In F. V. Bocca, et al. (Orgs.). O movimento de um pensamento: ensaios em homenagem a Luiz Roberto Monzani, 155-172. Curitiba: CRV.
Leache, P. A. (2007). Una tensa oscuridad: interrogando el abordaje psicosocial de la subjetividad. Psicologia & Sociedade, 19(3), 20-25.
Lemos, D. T. A.; Bairrão, j. F. M. H. (2022). A doença e a morte compreendidas pela mitopoética umbandista (pp.113-126). In: Wellington Zangari, Fatima Regina Machado; Geraldo José de Paiva. (org.). A psicologia do enfrentamento religioso na saúde e na doença. Curitiba: CRV.
Ratner, C. (2000). Agency and culture. Journal for the Theory of Social Behaviour, 30(4), 413-434.
10ª aula: A relação com o campo e modos de produção do conhecimento
Básica:
Clifford, J. (2002). Sobre a autoridade etnográfica. In: CLIFFORD, J. A experiência etnográfica, pp.17-62. Rio de Janeiro: UFRJ.
Complementar (para o seminário):
Brant Carvalho, J. B. & Bairrão, J. F. M. H (2017). Fios da Razão: Tradição e Pluralidade na Umbanda em Pontal. Interação em Psicologia, v. 21, p. 147-156.
Magnani, J. G. C. M. (2002). De perto e de dentro: notas para uma etnografia. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 17(49):11-29.
Peirano, M. (1995). A favor da etnografia. Rio de Janeiro: Relume-Dumará.
11ª aula: A relação com o campo e modos de produção do conhecimento
Básica:
Crapanzano, V. (1992). Text, Transference, and Indexicality. In _____. Hermes’ dilemma and Hamlet’s desire: on the epistemology of interpretation, pp. 115-135. Cambridge: Harvard University Press.
Complementar (para o seminário):
Bairrão, J. F. M. H. (2015) Etnografar com Psicanálise: Psicologias de um ponto de vista empírico. Cultures-Kairós- Revue d'anthropologie des pratiques corporelles e des arts vivants, 5, 1197.
Devereux, G. (1998). Modçle culturel de l’aire et personnalité ethnique de l’aire. In _____. Psychothérapie d’um Indien des plaines, pp. 96-148.Paris: Fayard.
12ª aula: A relação com o campo e modos de produção do conhecimento
Básica:
Crapanzano, V. (1992). Dialogue. In _____. Hermes’ dilemma and Hamlet’s desire: on the epistemology of interpretation, pp. 188-216. Cambridge: Harvard University Press.
Complementar (para o seminário):
Bairrão, J. F. M. H. (2005). A escuta participante como procedimento de pesquisa do sagrado enunciante. Estudos de Psicologia, 10(3): 441-446.
Godoy, D. B. O. A. & Bairrão, J. F. M. H. (2015). Psicanálise e trabalho de campo: uma perspectiva topológica. In J. F. M. H. Bairrão & M. T. A. D. Coelho (Orgs.). Etnopsicologia no Brasil: teorias, procedimentos e resultados. Salvador: Edufba
Macedo, A. C. & Bairrão, J. F. M. H. (2023). Umbanda pé no chão, escuta ao pé da letra: raízes da interpretação de terreiro (pp. 79-105). In F. Scorsolini-Comin & J. F. M. H. Bairrão (Orgs). Etnopsicologia e Saúde. São Carlos: João e Pedro Editores.
Rotta, R. R. & Bairrão, J. F. M. H. (2018). Pulsão escópica e pesquisa de campo em terreiros de umbanda. In: Maurício S. Neubern. (Org.). Clínicas do Transe: Etnopsicologia, Hipnose e Espiritualidade no Brasil (pp. 69-84). Curitiba: Juruá.
A nota final será calculada pela média aritmética das notas das duas formas de avaliação:
Ensaio escrito relacionado ao tema da pesquisa do aluno (50%).
Preparação e apresentação de seminário (50%).
Essa nota final seguirá as seguintes equivalências:
O conceito A equivale a nota final de 9,0 a 10,0.
O conceito B equivale a nota final de 7,0 a 8,9.
O conceito C equivale a nota final de 5,0 a 6,9.
O conceito R equivale a nota final de 0 a 4,9
Metodologia: Aulas expositivo-dialogadas, discussão da bibliografia e seminários.
Número mínimo de alunos: 9
Número máximo de alunos: 20
Aluno especial: justificar interesse pela disciplina em relação à relevância do assunto para seu projeto de pesquisa.